Julho 27, 2017

A meritocracia que alimenta as desigualdades

Os últimos meses têm sido complicados para os trabalhadores, ainda que muitos não tenham noção dos retrocessos que estão por vir. Fazendo uma pequena retrospectiva dos últimos meses é possível perceber um grave desmonte de direitos e de políticas públicas importantes para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. O Brasil caminha em direção a um futuro onde a fome, a miséria e o desemprego voltarão a reinar. É como se retrocedêssemos no tempo. O que está sendo colocado em prática é um projeto de país em que o pobre, o trabalhador, as classes menos favorecidas se perpetuarão assim, com poucas chances de melhorar de vida. Nessa sociedade, a meritocracia dita as regras. Nela as posições hierárquicas devem ser conquistadas com base no merecimento, considerando valores como educação, moral e aptidão. Mas será que isso é justo?

Vamos pensar um pouco: imagine dois jovens que irão disputar uma vaga na universidade. O primeiro, filho de uma família abastada, estudou nas melhores escolas, nunca precisou trabalhar, o que lhe deu tempo e condições para frequentar os melhores cursinhos. As viagens que fez para o exterior lhe deram visão de mundo, assim como o acesso ao pensamento de grandes autores. Desde cedo estudou inglês e nunca teve que se preocupar em correr atrás do alimento que lhe garantisse pelo menos três refeições diárias.

O segundo, desde cedo convive com a fome e a miséria. Ainda criança começa a vender picolé para ajudar a pôr comida em casa. Ainda que seu pai trabalhe como pedreiro e a mãe se desdobre entre as tarefas da casa, as faxinas e as roupas que “lava para fora”, a situação financeira nem sempre permite comida na mesa. Na lógica da pirâmide de necessidades de Maslow, nestas condições, esta família dificilmente superará a segunda linha de necessidades: segurança, emprego, moradia, alimentação. Diante dessas duas realidades tão opostas, quem terá melhores condições, as melhores oportunidades de acessar a universidade? E mais, que chances um filho de trabalhador tem de romper esse ciclo vicioso?

Em um governo popular e democrático, o rompimento da perpetuação da miséria e da falta de acesso são as premissas básicas de toda a sua política. Quando o governo do PT criou o Bolsa Família, o Luz Para Todos, as cotas nas universidades, entre tantos outros programas, o objetivo foi possibilitar o equilíbrio mínimo entre as condições de vida do trabalhador e de seu patrão. Mas, e agora? Bom, agora o que vemos não é apenas o fim dessas oportunidades, mas o agravamento e a acentuação da meritocracia.

Em um governo neoliberal, como o que passou a vigorar no Brasil após o golpe que destituiu do poder a presidenta eleita Dilma Roussef, o desmonte dessas políticas de acesso são evidentes. Nele a meritocracia é o que vale. Vimos ser aprovada uma Reforma do Ensino Médio que tira da grade curricular a obrigatoriedade de disciplinas como arte e filosofia, já que são matérias próprias da elite. Em contrapartida, dá-se ênfase à gradual implantação do ensino integral, impossibilitando qualquer jovem de frequentar a escola e trabalhar simultaneamente. Isso sem contar que as aulas noturnas estão sendo eliminadas gradativamente. Voltando à pirâmide de necessidades, qual será a alternativa que terá o filho do trabalhador?

Paralelo a isso, o governo golpista aprova uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que estabelece um teto para os gastos públicos que compromete serviços essenciais como saúde e educação para as próximas duas décadas. É o equivalente ao seu salário não sofrer reajuste pelos próximos 20 anos. Mas não para por ai. Tem ainda a Lei da Terceirização e a Reforma Trabalhista, aprovada recentemente que elimina direitos; gera insegurança jurídica; elimina empregos formais, tornando precárias as condições e as relações de trabalho. Mas não acabou. Está tramitando no Congresso Nacional a Reforma da Previdência que praticamente impossibilitará o trabalhador, agora sob a dura realidade da nova CLT, de cumprir os requisitos básicos para ter acesso a aposentadoria. E nem chegamos a abordar ações como o aumento dos impostos que incidem sobre o preço dos combustíveis e que, inevitavelmente, chegará à cesta básica.

Este é o modelo neoliberal de governo, onde lei da sobrevivência do mais forte impera e a meritocracia é a regra que alimenta as desigualdades.