Outubro 17, 2018
O registro de casos de intolerância e ódio religioso aumenta sem parar desde 2011, quando a Secretaria de Direitos Humanos, hoje ministério, começou a compilar dados. De 15 casos naquele ano, houve um salto para 759 registros em 2016 — os resultados de 2017 ainda não estão fechados. São Paulo e Rio de Janeiro acumulam 105 e 79 ocorrências, respectivamente. Das denúncias identificadas, 63% das vítimas são do candomblé, umbanda e credos de matriz africana. Os evangélicos aparecem em apenas 4%. “Aqui, a intolerância religiosa está fortemente relacionada com raça”, diz a pesquisadora Magali Cunha. Para ela, como o cristianismo veio como elemento civilizatório europeu, as crenças de indígenas e escravos acabaram desqualificadas por serem tidas como inferiores. Tanto que os terreiros foram proibidos até os anos 1950, mesmo em uma república dita laica desde 1890.
O que surpreende com alívio é que não há assassinatos. Mas no Rio faltou pouco. Depois que seu terreiro em Nova Iguaçu, Baixada Fluminense, foi atacado por traficantes de orientação evangélica, em 13 de setembro do ano passado, a mãe de santo Carmen Flores, a Mãe Carmem de Oxum, fugiu para a Suíça. Para não morrer, ela teve que destruir ícones de seu santuário. Os traficantes divulgaram até vídeo. “O capeta-chefe tá aqui. Taca fogo em tudo, quebra tudo, o sangue de Jesus tem poder”, diziam. Em Seropédica, o carro de um sacerdote afro foi alvejado 22 vezes. A investigação segue sob sigilo, mas as suspeitas são de ódio religioso. Ocorrida em junho de 2015, a agressão à menina Kaylane repercutiu. Então com 11 anos, ela saía de um culto com a avó, na Vila da Penha, quando foi atingida na cabeça por uma pedra lançada por evangélicos. Hoje com 15 anos, Kaylane ainda se revolta: “Não quero que me tolerem. Quero que me respeitem”.
“O Brasil vive o mito da tolerância”, diz Márcio de Jagun, presidente do Conselho de Defesa da Promoção da Liberdade Religiosa do Rio. Ele lembra que o protagonismo da perseguição foi no passado da igreja católica, estando hoje com os evangélicos. “Eles fazem proselitismo negativo, desqualificando o povo negro”, diz Jagun. “Toda a religiosidade que enfatiza o combate a um inimigo espiritual gera extremismo e violência. Não à toa a Bancada da Bíblia anda junto com a Bancada da Bala no Congresso”, diz Magali Cunha.
O desrespeito também atinge muçulmanos, que somam pelo menos 800 mil fieis no País. Para Ali Zogbi, da Federação das Associações Muçulmanas do Brasil (Fambras), nos países cristãos há dificuldade para entender as complexidades do Oriente Médio. “Mulheres em trajes típicos são chamadas de terroristas em ônibus e mercados”, diz. Todavia, Zogbi admite que há poucas denúncias.
Falta justiça
Em São Paulo, a Justiça teve que ser acionada para deter a irracionalidade. Há três semanas, a página no Facebook “Judeus Unidos Contra Bolsonaro” foi atacada com mensagens antissemitas. Para o presidente da Confederação Israelita do Brasil (Conib) Fernando Lottenberg, a rede social criou espaço para esse tipo de covardia. “Começa conosco [judeus], mas depois sempre se espalha contra outros grupos”, alerta.
Um problema recorrente para quem procura a Justiça é a falta de capacidade das autoridades em reconhecer um crime de intolerância religiosa quando estão diante dele. Há lei, mas falta jurisprudência, já que nenhum recurso do tipo foi julgado pelo STJ ou STF, o que torna difícil a aplicação de penas para esse crime, que é inafiançável e não prescreve.
Escrito por André Vargas e Fernando Lavieri
Fonte: istoe.com.br