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Dezembro 19, 2018

Mesmo com alta taxa de lucro e referência em áreas sociais, Caixa pode ser desmontada

Em entrevista, servidor do banco público comenta possíveis consequências de medidas sinalizadas pelo próximo governo

Com a indicação do economista Pedro Guimarães para presidir a Caixa Econômica Federal no governo de Jair Bolsonaro (PSL), o futuro de um dos maiores bancos do país e da América Latina já tem indícios de qual rumo vai percorrer. Guimarães é especialista em processos de privatizações e assessorou a privatização do banco estadual de São Paulo, o Banespa.

Além disso, a política neoliberal do então indicado para ministro da economia Paulo Guedes também demonstra que as estatais estão na mira do novo governo. Apesar de Bolsonaro ter declarado que não pretende privatizar a Caixa, funcionários da estatal já estão em alerta. O representante dos servidores da Caixa, Jair Pedro Ferreira conversou com o Brasil de Fato e explica como seria uma privatização do banco público e as principais consequências disso.

Brasil de Fato: Quais programas sociais estão atrelados à Caixa? O que eles já estão sentindo na pele? 

Jair Pedro Ferreira: A Caixa é a grande operadora da maioria dos programas sociais do governo federal. Não só os sociais como o Bolsa Família, PIS, programas habitacionais como Minha Casa Minha Vida e o FGTS. Então, isso tudo está sob responsabilidade da Caixa. Como empresa pública, isso dá mais segurança para a sociedade e para os trabalhadores de um modo geral, não só os empregados da Caixa. Quando você vê os governos dizendo que vão diminuir a carteira porque a Caixa tem que ser uma empresa enxuta, iguais bancos privados, eles já estão afirmando que nós vamos ter encolhimento na rede de agências. Isso significa que você vai começar a comprometer o atendimento à população. Porque, quem é que atende a população de modo geral? É praticamente a Caixa. Em um local ou outro você tem um banco ou outro que atende, mas a maioria desses atende quem tem dinheiro e a boa parte da população tem pouco dinheiro, então não interessa aos bancos privados e aos que focam nas grandes fortunas, isso fica para Caixa, uma empresa pública e importante. As ameaças vêm nesses aspectos. Quando o governo diz que vai diminuir a verba para habitação para o próximo ano, você vai prejudicar quem vai comprar uma casa de 40 mil, de 50 mil, 70 mil, que é a população de baixa renda. E praticamente é só a Caixa que faz esses financiamentos. Quem é que vai fazer financiamento de alguém que tenha renda de até 2 mil reais? É a Caixa. Então quando você enfraquece ela, diminui a quantidade de empregados, a quantidade de agências, você está dizendo para essa população que o atendimento a ela vai ficar sem fazer.

A Caixa dobrou de tamanho. Nós tínhamos 2 mil agências em 2003, 2002 e agora está com 4 mil e 100 agências. A Caixa já provou que pode dar lucro e manter as políticas públicas, manter o que interessa à população, que é juros baratos, financiamento de habitação, uma empresa que as pessoas fazem depósito na poupança e que dê segurança para que o dinheiro delas não desapareça. Essa é a Caixa que a população conhece e que a gente vem defendendo ao longo dos seus 157 anos de existência. Então, com a visão e a origem do [possível próximo] presidente da Caixa, os empregados já ficam preocupados, porque a visão dele é apenas a de aumentar juros, aumentar a tarifa. Ele não está preocupado em atender a população, em ser para a população que carece de financiamento à longo prazo.

Quando a gente fala em privatização, para muita gente significa vender, acabar. Quem é do estado de São Paulo lembra do Banespa, o Banespa acabou, sumiu. Hoje, só pra vocês terem uma ideia, nós temos 5 grandes bancos que atendem 85% de todo o sistema bancário, que é o chamado banco de varejo. Entre esses 5 bancos dois são públicos, a Caixa e o Banco do Brasil, depois você tem Bradesco, Itaú e Santander. Não tem outro. As pessoas vão ficar desprotegidas. Tem região no norte ou no centro-oeste que, ou você tem bancos públicos ou você não tem banco. Então as pessoas vão viajar 100, 200 km para fazer um saque, pegar um dinheiro de uma aposentadoria. É isso que nós precisamos entender.

Você acredita que pode acontecer uma espécie de privatização “pelas beiradas” ou por setor? 

Você lembrou bem. A gente até fala em “esquartejar”, que é o seguinte: você pode manter a Caixa com, sei lá, 500 agências com 20 mil empregados e você vai vender parte das coisas que a Caixa faz. A Caixa pode chegar a ser mantida, como banco, como uma simples loja de poupança. Ela continua Caixa, mas pode ser retirada, por exemplo, a habitação. Hoje a Caixa, sozinha, financia 70% de todos os financiamentos habitacionais do país. Para a população de baixa renda, isso chega a 90%. Essa é a visão que o governo tem demonstrado até aqui. Eu posso pegar a área de seguro e jogar para outro canto, eu posso pegar tantas coisas que a Caixa faz e tirar dela. Isso interessa pra quem? Não interessa para a sociedade. Essa diminuição, que alguém chamou de “comer pelas beiradas”, é um risco também que está colocado e certamente isso vai se acelerar se o atual governo e o próximo governo seguir aquilo que têm falado.

Você pode explicar um pouco sobre a estratégia de resistência com a campanha “Não Tem Sentido”?

Nós, as entidades, os trabalhadores, temos buscado parceiros que compreendem a importância que essas empresas públicas têm. Essa campanha visa denunciar que “Não tem sentido” vender as coisas da Caixa, “não tem sentido” você privatizar a loteria, tirar as loterias da Caixa. A Caixa faz loteria há muito tempo e de repente ela é proibida de participar da Lotex, de um leilão, ou seja, o governo proibiu e só vão participar empresas estrangeiras. Temos feito alguns debates chamados de diálogos de capitais, conversando com setores produtivos, setores que compreendem o papel que o Estado tem. A nossa Constituição de 88 garante um Estado de bem-estar social importante para a população brasileira e isso está sendo ameaçado. Essas estratégias de mobilização, de intensificação da campanha, junto à mídia, junto às pessoas, pretendem denunciar que se perdermos a Caixa, vamos perder um grande instrumento, vamos perder aquilo que é muito importante para uma grande camada da população brasileira. Ela pode ser melhorada? Tem que ser melhorada, mas ela tem que ser da população brasileira, ela não pode ser de segmento ou de setor financeiro privado.

Você poderia dar alguns números pra gente? Estimar as perdas possíveis?

Uma boa parte das aposentadorias dos brasileiros são pagas e feitas pela Caixa. A Caixa está presente em todos os municípios brasileiros, seja através das suas agências, seja através da rede lotérica, seja através do correspondente bancário. Isso é, para a população, uma garantia importante, hoje ela tem mais de 40% do mercado. De todos os depósitos de poupança que são feitos pela população do Brasil, 40% estão na Caixa, é um número gigantesco. Os bancos públicos em 2008, 2009, foram chamados pelo Estado para ajudar na crise.

A gente teve redução de juros e teve crescimento. Os bancos públicos saíram de 25% do ativo bancário e passaram para mais de 50%. Os bancos privados perderam espaço na crise e esse é o papel que os bancos públicos tem que ter. A Caixa tem mais de 80 milhões de clientes, ela administra 500 bilhões de recursos do FGTS, a Caixa talvez seja o banco que tenha o maior número de fiscais, de conselho, de tribunal, que acompanham as políticas públicas.

Cerca de 13, 14, entidades fiscalizam a Caixa: é TCU, é CGU, tudo quanto é tribunal ou conselho, porque esse é o papel importante. Esse recurso não é da Caixa, esse recurso é da população brasileira, então são números gigantescos. Nos últimos 7 anos a Caixa ajudou a financiar e a construir 3 milhões de moradias do Minha Casa Minha Vida, é bastante. Na história, a Caixa já financiou mais de 17 milhões de moradia. São números gigantescos e que a população pode perder.

Gostaria de fazer algum último comentário ou conclusão?

Acho que a gente também tem que olhar qual tamanho de Estado a gente quer. Quando você vê o ataque às empresas públicas, o que já foi privatizado, a gente vê que acabou o serviço. A ‘iniciativa privada’ é conversa mole. Porque a Caixa, com todos os ataques que ela vem sofrendo, vai dar 2 bilhões de lucro. Então, se o problema é a eficiência, tá errado o discurso de quem quer privatizar.

A privatização pra gente, trabalhadores e trabalhadoras, pessoas que carecem, que precisam de incentivos, de renda, emprego, seria um grande prejuízo, e nós não podemos permitir esse retrocesso. Por isso é importante manter essas empresas, empresas centenárias, o Banco do Brasil tem mais de 200 anos, a Caixa, 157, Petrobras e tantas outras, nós precisamos juntar a fileira com todos os parceiros e trabalhadores, pessoas e personalidades que defendem o bem estar da população.

Luciana Console – Brasil de Fato | São Paulo (SP)
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