Abril 16, 2019
O governo de Jair Bolsonaro (PSL) enviou ao Congresso Nacional um Projeto de Lei (PL) que regulamenta o ensino domiciliar. O PL faz parte das metas dos 100 dias de governo do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), que coordenou a formulação da proposta, em conjunto com técnicos do Ministério da Educação (MEC).
A medida atende interesses meramente ideológicos e a uma minoria, além de prejudicar a formação de crianças e adolescentes, cujos pais optarem por essa modalidade de ensino, acreditam o ex-ministro da educação, Renato Janine Ribeiro, e o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), filiado a CUT, Heleno Araújo. Segundo eles, há decisões muito mais importantes na área da educação que precisam ser tomadas pelo governo.
Janine Ribeiro lembra que o PL de Bolsonaro deve atingir cerca de cinco mil estudantes, enquanto outros 50 milhões sofrem as consequências da crise interna do MEC, que culminou com a troca do comando da Pasta – o colombiano Ricardo Vélez foi demitido por Bolsonaro e substituído pelo economista, sem experiência no setor, Abraham Weintraub.
O ex-ministro da educação enumera três pontos que são fundamentais para a educação do país, que estão sendo negligenciados pelo governo Bolsonaro, como o atraso na entrega de livros didáticos para escolas públicas de todo o país pelo Programa Nacional de Livros Didático (PNLD). Outro grave problema é a falta de definição sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), voltada para a Educação Infantil e Fundamental e para o Ensino Médio, que deve ser posta em prática pelas redes municipais e estaduais. Para isso, o governo federal deveria dar apoio técnico e transferir verbas a estados e municípios pelo programa ProBNCC, que está parado. E, por último, o Fundo Nacional para Educação Pública (Fundeb), que representa 80% do investimento em educação em mais de mil municípios brasileiros, e paga salários de professores, merenda, transporte escolar, material didático e reformas em escolas termina no ano que vem. Até agora o governo não dá sinais de como e, se o programa será prorrogado. A princípio, o ministro da Economia, o banqueiro Paulo Guedes contratou uma consultoria para estudar o Fundo, que tem uma previsão orçamentária de R$ 156 bilhões para este ano.
“Os atrasos nesses programas serão desastrosos para a educação do país”, diz Janine.
O presidente da CNTE, Heleno Araújo, concorda com a avaliação do ex-ministro e diz que depois de três meses de gestão nada foi feito na Educação.
“São 100 dias de governo e nada foi feito na questão educacional. Eles perdem tempo com anúncios de medidas sem fundamento que nada contribuem. O Ministério da Educação quer perseguir seus quadros inventando uma ‘Lava Jato da Educação’, e não implementar políticas concretas para o setor”, critica.
Escolas são importantes no desenvolvimento de uma criança
Para Janine Ribeiro, não são apenas os atrasos nos programas do MEC que motivam as críticas à regulamentação do ensino domiciliar. Segundo ele, a escola é importante para a socialização dos estudantes, e vai além dos limites familiares.
A família dá segurança, impõe limites, ensina ética e dá condições para uma pessoa trabalhar. Mas, é na escola que uma criança amplia seus horizontes, que se iniciam no quarteirão, no bairro. É na escola que as pessoas entram em contato com meios sociais diferentes, com pensamentos diferentes, e isto é bom
O ex- ministro diz ainda que embora o Brasil seja um país miscigenado, nossa sociedade ainda é limitada na capacidade de interagir como requer o mundo moderno, daí a importância da socialização dentro da escola.
“As pessoas entram muito pouco em contato com meios sociais diferentes. Normalmente são pobres confinados com pobres e ricos com ricos. Há pouca interação. Por isso, que a escola é o principal fator para romper essas barreiras, para que as pessoas saiam do seu grupo fechado, seja religioso,seja de classe social e aprendam a lidar com os outros”, analisa.
Heleno Araújo também acredita que o processo de formação humana e da cidadania se inicia na família, que cumpre o papel na educação dos filhos nos primeiros anos de vida, mas é fundamental que todo esse processo passe pela formação coletiva.
“O espaço familiar é insuficiente para a formação de um ser humano. Ele precisa de um espaço de convivência com jovens da mesma idade. É um crime formar pessoas isoladas pela sociedade”, avalia Heleno que complementa: O ensino domiciliar só tem pontos negativos.
É um processo pernicioso que vai ampliar a desigualdade no país, porque qual família terá tempo para processar a formação de uma pessoa?
Ensinar é uma profissão
O ex-ministro da educação, Janine Ribeiro, diz que além do processo de sociabilização ser necessário para o desenvolvimento de uma criança, lecionar é uma profissão e é preciso aprender a exercê-la. E, por isso, o ensino domiciliar feito pelos pais não trará garantia de aprendizado.
“Um professor qualificado é melhor para ensinar do que os pais, porque é muito difícil fazer o papel de um educador”, diz ressaltando que embora nem sempre a escola dê condições aos professores para que cumpram seu papel, ainda assim, é muito melhor ter uma formação e conhecimento do mundo.
“Os pais devem encorajar seus filhos a estudar, a ler, a fazer a lição de casa, a ter princípios éticos. Dificilmente um pai ou mãe terá condições de ensinar todas as disciplinas. Eles podem saber português, matemática, geografia, mas não terão condições de dar aulas de educação física e artes ao mesmo tempo. Será muito difícil concentrar tudo numa pessoa que não é profissional”, avalia o ex-ministro.
O que diz o texto do Projeto de Lei
O Projeto de Lei dispõe sobre o exercício do direito à educação domiciliar no âmbito da educação básica, Altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
Segundo o PL, a opção por esse modelo de ensino terá que ser comunicada pelos pais do estudante, ou pelos responsáveis legais, em uma plataforma virtual do Ministério da Educação (MEC). O cadastro deverá ser renovado a cada ano.
Os pais ou responsáveis ficam encarregados de apresentar um plano pedagógico individual, detalhando a forma como as aulas serão conduzidas.
O estudante será submetido a provas a partir do 2º ano do ensino fundamental, uma vez ao ano, a cargo do MEC, com um custo a ser definido e com isenção de pagamento para famílias de baixa renda
A certificação da aprendizagem, obtida quando o desempenho do estudante for considerado satisfatório, terá como base os conteúdos programáticos referentes ao ano escolar correspondente à idade do estudante, conforme a Base Nacional Comum Curricular.
No projeto de lei, considera-se a possibilidade de avanço nos cursos e nas séries.
Foto: Agência Brasil
Fonte: CUT