Junho 27, 2019
O Brasil, que já é campeão mundial no uso de agrotóxicos, acelera a liberação do registro de pesticidas no governo de Jair Bolsonaro (PSL). Com a liberação feita pelo Ministério da Agricultura, na última segunda-feira (24), de mais 42 defensivos agrícolas, só neste ano, já foram colocados no mercado 211 agrotóxicos. Dos 42 aprovados esta semana, 23 são considerados altamente ou muito perigosos para o meio ambiente e 18 são extremamente ou altamente tóxicos para a saúde humana.
Os produtos químicos utilizados nas lavouras no país têm mais de 300 integrantes ativos. Três mil são compostos por mais de um ingrediente ativo. Os perfis de utilização são diferentes. A quantidade maior é do agronegócio. O próprio Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Defesa Agrícola (Sindiveg) informou que, em 2014, foram comercializados 12,2 bilhões de dólares em agrotóxicos, sem contar com um contrabando estimado pela mesma entidade em 20% do total. Somente em 2010, mais de um milhão de toneladas de veneno foi jogado nas lavouras.
Ainda de acordo com o sindicato das indústrias produtoras de agrotóxicos, 75% das culturas que mais utilizam veneno são: soja, milho, algodão e cana de açúcar. Três quartos do uso de agrotóxicos são feitos pelas culturas de larga escala, e grande parte desses produtos é para a exportação.
Um dos coordenadores da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida (*), Alan Tygel, explica que, muitos dos dados sobre a quantidade do uso dos agrotóxicos são baseados em relatórios de organizações dos Estados Unidos, que analisam o mercado mundial, mas nem todos os países do mundo liberam informações. No Brasil, os dados foram coletados a partir da divulgação do próprio sindicato das empresas de agrotóxicos.
“Cerca de 30% dos agrotóxicos proibidos na União Européia, são utilizados aqui”, afirma.
Segundo o secretário de Meio Ambiente da CUT, Daniel Gaio, há uma política deliberada de envenenamento em massa do governo de extrema direita de Bolsonaro e da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, a musa do veneno, como foi apelidada no Congresso Nacional, com o único objetivo de diminuir o custo da produção.
“A política é tão míope que apresenta desafios ao próprio agronegócio ao ser impedido de comercializar em alguns países, como vem pedindo organizações não governamentais da União Europeia, que não querem que seus países comprem produtos brasileiros”, diz Daniel se referindo a uma carta assinada, em maio deste ano, por 600 cientistas europeus exigindo que a União Européia deixasse de importar produtos brasileiros ligados ao desmatamento feito pelo agronegócio.
Suicídios, mortes e anomalias
No Brasil, o uso indiscriminado de agrotóxico é tão grave que há registros de suicídios de trabalhadores rurais, puberdade precoce, com a aparição de pelos pubianos e mamas em bebês de apenas seis meses de idade, nascimento de crianças sem os braços e as pernas, contaminação do leite materno, infertilidades masculina e feminina, câncer e outras doenças degenerativas, de acordo com Aline Gurgel, vice-coordenadora do Grupo Técnico (GT) de agrotóxicos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
“No Sul do país há uma epidemia de suicídios de trabalhadores da cultura do tabaco por conta do organofosforado, um veneno que faz parte do grupo químico de agrotóxicos, que são neurotóxicos. Os sintomas imediatamente agudos são vômitos e dores de cabeça. Eles afetam o sistema nervoso central e podem causar também outras doenças neuro-degenerativas como Parkison”, afirma Aline, representante da Fiocruz na Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida.
A pesquisadora explica que os agrotóxicos como são neurodegenerativos, produtos químicos que provocam a morte dos neurônios, podem também se transformar em mutações do DNA causadoras do câncer, além de provocar danos aos sistemas reprodutivos masculino e feminino, como abortos, e má formação congênita.
Segundo Aline, essa exposição ao uso indiscriminado de veneno na agricultura ocorre em todas as regiões do país, em culturas que vão do fumo à banana.
“Existem as doenças causadas pelos agrotóxicos. As crônicas, aquelas que não são identificadas prontamente como causadas pela contaminação ambiental, pois ocorrem via água de chuva, águas subterrâneas e o ar. As outras são as doenças agudas causadas diretamente pelo uso de pesticidas e são mais identificáveis, entre elas, dores de cabeça e alergias”, explica Aline.
Somente em relação à água, um estudo mostrou que 1 em cada 4 cidades brasileiras tem a água contaminada por um “coquetel tóxico” de 27 pesticidas. Os dados são do Ministério da Saúde e fazem parte do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua), que reúne os testes realizados pelas empresas de abastecimento.
Outros estudos mostram que até municípios e regiões que não utilizam largamente os agrotóxicos já foram identificadas doenças graves relacionadas a esses venenos, como foi o caso do estado do Piauí onde a contaminação do leite materno aconteceu a partir da contaminação da água, ainda que a região não faça parte do cinturão do agronegócio.
“Há uma série de ocorrências pelo uso desses venenos, como distúrbios que causam depressão e doenças neuro- degenerativas. E mesmo em regiões sem uso de agrotóxico tem contaminação ambiental. Claro, que a pior situação está nos municípios que são a vitrine do agronegócio, como mostram diversos estudos realizados em todo o país”, diz Aline Gurgel.
Na Região Nordeste, por exemplo, a coleta de sangue e urina de crianças, mães e pais, evidenciam a presença de agrotóxicos relacionados a essas doenças, enquanto a coleta de água demonstrou presença de diferentes grupos químicos.
Já um estudo internacional, desenvolvido no Ceará, demonstrou que há má formação congênita, cardíaca e desregulação hormonal precoce nas crianças, numa região cercada por uso de agrotóxicos. O governo do estado, recentemente, proibiu a pulverização aérea de lavouras, numa tentativa de minimizar a contaminação de áreas que não pertencem aos cultivos.
“O que é preocupante é que existe uma possibilidade de termos, pela facilidade e disponibilidade de produtos, o aumento de um cenário de exposição, que aliada à vulnerabilidade desses territórios pode agravar muito mais os casos de doença. Em regiões onde têm vulnerabilidade social somada a exposição de agrotóxicos, essa situação pode se agravar”, desabafa a pesquisadora.
A secretária de meio ambiente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Rosmari Malheiros, é testemunha das doenças causadas pelo uso de pesticidas nas lavouras, mesmo as familiares.
“Temos relatos de vários trabalhadores e trabalhadoras que utilizavam agrotóxicos e precisavam tomar remédios com bula de tarja preta, mas depois que passaram a produzir pela técnica da agroecologia pararam de tomar esses remédios”, diz Rosmari.
Um dos maiores motivos para a Contag ser contra a liberação de pesticidas são as mortes e doenças provocadas pelo uso desses venenos, diz a dirigente.
“Infelizmente, temos uma ministra da Agricultura que defende o uso indiscriminado do agrotóxico, argumentando que a liberação de mais venenos estava enterrada na burocracia das ideologias”, afirma Rosmari.
“Não admitimos de forma alguma, num país que sempre trabalhou a segurança alimentar, que um governo esteja agindo desta maneira irresponsável”, diz.
A falta de cuidado por parte do governo Bolsonaro com o homem e a mulher do campo e com os recursos hídricos também é criticada pelo secretário do Meio Ambiente da CUT, Daniel Gaio.
“Essa contaminação pelo uso não é momentânea, é a médio e longo prazo com consequências complexas e, tenho certeza que esse governo, por meio dos ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente, não toma qualquer cuidado. Ao contrário, estão construindo barreiras para que Anvisa e qualquer outro órgão regulador possam analisar de forma criteriosa a utilização desses venenos”, diz Daniel Gaio.
Casos são subnotificados
Com sete mil casos notificados ao ano, o sistema de informação que contabiliza os casos de doenças pelo uso dos agrotóxicos do Ministério da Saúde é criticado tanto pela pesquisadora da Fiocruz, quanto por Alan Tygel.
Segundo ele, o número é subdimensionado, já que a população tem dificuldade para acessar o sistema de saúde, além do setor agropecuário querer abafar essas notificações.
“O médico é o fazendeiro, que é ligado ao prefeito e, nesses casos, não interessa que as intoxicações sejam notificadas. Mas, apesar da estatística, ser subnotificada mostra que de fato o agrotóxico representa um problema de saúde pública no Brasil”, alerta.
Para Aline Gurgel, as notificações deveriam ser obrigatórias, independentemente, se a pessoa doente foi atendida pelo sistema público ou pelo sistema privado de saúde.
“Muitos desses casos não são registrados, especialmente em doenças crônicas, porque aconteceram há mais tempo. São anos e décadas de exposição ao longo da vida e, é difícil um médico associar um câncer a essa exposição. Já as doenças agudas aparecem em exposição imediata. São intoxicações que precisam de atendimento imediato e há notificação”, explica Aline.
(*) Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida
O uso indiscriminado de veneno nos alimentos que o brasileiro consome fez entidades defensoras do meio ambiente, o Movimento dos Sem Terra (MST), sindicatos rurais e urbanos, Federações, Confederações e centrais, como CUT e Contag, além de instituições de pesquisa como a Fiocruz, se unirem, desde 2011, numa campanha permanente, em nível nacional, para alertar os trabalhadores e trabalhadoras do campo e a população em geral sobre o uso indiscriminado do agrotóxico na agricultura e em defesa da produção de alimentos saudáveis, a agroecologia.
“A campanha tem como objetivo denunciar os problemas de saúde que esses venenos causam na população, e ao mesmo tempo, anunciar que há outras formas de se fazer agricultura, que é necessário e urgente ter uma mudança no modelo de produção”, diz Alan.
Segundo ele, por conta de um histórico do país, desde a década de 1960, o Brasil teve a construção de uma assistência técnica com modelo voltado para o pacote agroquímico: sementes modificadas, fertilizantes sintéticos e agrotóxicos. E este modelo, foi implantado de acordo com os requisitos das empresas de insumos.
“Isso destruiu a cultura como vinha sendo feita, e deixou a agricultura com uma enorme dependência em relação às empresas. Por isso, o cenário é de luta pela agroecologia e, ao mesmo tempo, do resgate de práticas culturais perdidas e do desenvolvimento de tecnologias limpas, que não tenham patentes para pagar direitos, para serem utilizados livremente para a produção de alimentos saudáveis”, afirma.
Nesta campanha, a Contag também tem um papel importante de disseminação de informações contra o uso do agrotóxico, segundo Rosmari Malheiros.
Ela conta que a Confederação está realizando 116 oficinas em todos os estados do país onde discute o uso do agrotóxico e a formas de produção sustentável, a agroecologia.
“Estamos na luta, mas até chegar à agroecologia, precisamos passar pela prevenção, discutir com os trabalhadores que têm experiência com a agricultura familiar sobre o uso de venenos na lavoura”, conta a dirigente.
Segundo Rosmari, a Contag, ao incentivar a forma sustentável está trabalhando também a assistência alimentícia de boa qualidade, com práticas de alimentação saudável.
“O atendimento à saúde é precário, por isso trabalhamos a prevenção e uma delas é não usar agrotóxico, para ter uma vida mais saudável”, declara.
Brasil incentiva a produção de venenos
As cláusulas 1ª e 3ª do Convênio nº 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e o Decreto 7.660/2011 concedem benefícios fiscais ao mercado de agrotóxicos, com redução de 60% da base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), além da isenção total do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
“Na prática, são incentivos do Estado para o uso do veneno. O governo queria baratear a comida e acabou incentivando o uso de veneno. Isto sobrecarrega o sistema de saúde e o próprio Estado vai ter de arcar com os custos da saúde, por isso lutamos pelo fim dessas isenções“, afirma Alan.
Para tentar reverter o aumento do consumo e utilização desses venenos, nesta quinta-feira (27), haverá audiência pública promovida pelo Mistério Público (MP), às 13h30, na sede da Procuradoria Geral da República (PGR), em Brasília, questionando a isenção fiscal.
Outra ação defendendo o fim dessas leis é a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), desde 2006. O relator, ministro Edson Facchin, deu parecer favorável, mas a ação continua parada no STF.
Fonte: CUT / Escrito por: Rosely Rocha / Foto: EDSON RIMONATTO