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Março 9, 2018

Como o machismo violenta a vida das mulheres

Nilza Silva, 35 anos, foi morta com golpes de machado na cidade de Atibaia. Elizabeth Aparecida Ribeiro, 36 anos, professora, foi morta a facadas, em Marília. Wilce Helena Oliveira Machado, 49 anos, foi encontrada morta com sinais de estrangulamento, em Paraguaçu Paulista.

As três mulheres têm em comum, além do destino trágico, o fato de terem sido assassinadas pelos parceiros nas casas em que vivam. Um tipo de brutalidade que se enquadra no chamado feminicídio, o assassinato de uma mulher pelo simples fato de ela ser mulher.

Nesses casos, o ódio, o desprezo e o sentimento de perda de controle sobre a mulher são justificativas comuns para esse tipo de atrocidade. As três foram mortas no dia 10 de janeiro de 2018 em cidades do interior paulista.

Secretária da Mulher Trabalhadora da CUT São Paulo, Márcia Viana lamenta que o machismo e o feminicídio estejam impregnados na sociedade brasileira.“O machismo mata e precisamos acabar com isso”, enfatiza.

Márcia defende a intensificação da luta, ainda mais, segundo ela, em tempos de golpe. “Com este governo golpista, que acabou com as políticas públicas de combate à violência contra a mulher, só nos resta a resistência. É necessário alterar de uma vez por todas essa cultura do machismo. Não é e não pode ser visto por ninguém como algo natural no cotidiano da vida das mulheres.”

No estado de São Paulo, de janeiro a outubro de 2017, a Justiça instaurou 175 processos por feminicídio.

Dados da Secretaria da Segurança Pública paulista apontam que SP registra um feminicídio a cada quatro dias. Os números são resultado do levantamento dos boletins de ocorrência do primeiro semestre de 2017.

A realidade paulista, contudo, não é uma exceção.

O Brasil tem a quinta maior taxa de feminicídio do mundo

– Organização Mundial da Saúde (OMS)

E não para por aí: a violência também tem cor no País. Pesquisas apontam que as violências racista, sexista e institucional atingem principalmente as mulheres negras.

Levantamento do Mapa da Violência 2015, produzido pela Faculdade Latino-Americana de Estudos Sociais, mostra que o número de mulheres negras assassinadas entre 2003 e 2013 cresceu 54%, enquanto o índice de feminicídio de mulheres brancas caiu, no mesmo período, 10%.

Para Márcia Viana, as mulheres negras são as que mais sofrem. “Elas estão entre as que ganham menos, as que ocupam os postos de trabalhos mais precarizados e também são as maiores vítimas de seus companheiros”, lamenta, ressaltando a importância de a luta feminista ter o olhar direcionado às mulheres negras.

Aumento dos estupros e jornada das mulheres

Além do feminicídio, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) divulgou em fevereiro deste ano o aumento de 15,5% no número de estupros em janeiro de 2018, em comparação com janeiro de 2017, segundo o balanço mensal da criminalidade.

É contra essas várias formas de violência, lembra Márcia, que a Jornada de Luta das Mulheres em Defesa da Democracia e dos Direitos, organizada pela CUT São Paulo, em parceria com a CUT nacional e movimentos de mulheres, ocorre no estado de São Paulo até o dia 1º de maio.

Durante a jornada, as mulheres debaterão também a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº181, de 2015. Adiada no ano passado após pressão popular, ela pode voltar à Câmara dos Deputados em 2018.

A princípio, a lei tratava da extensão da licença-maternidade para o caso de bebês nascidos prematuros. Mas, os deputados homens da comissão votaram pela inclusão de uma alteração no artigo primeiro da Constituição, destacando “a dignidade da pessoa humana, desde a concepção”.

Só que a manobra dos parlamentares abriu brechas para aumentar a criminalização da prática de aborto, mesmo em casos de estupro, risco de morte da mãe ou doença como a anencefalia – ausência parcial ou total de cérebro no feto, que hoje são permitidos pelo Código Penal.

“Medidas como essa, se aprovadas, representam uma violência e serão ainda piores às mulheres negras, pobres e jovens em situação de aborto inseguro. Esta proposta retira o direito das mulheres sobre seus corpos e sequer faz o diálogo sobre a questão de saúde, que está ligada ao tema”, conclui a bancária e secretária de Comunicação da CUT São Paulo, Adriana Magalhães.

Perda de direitos

Diante do cenário de violência contra as mulheres, em 2015, a presidenta eleita Dilma Rousseff sancionou a Lei nº 13.104, que tornou hediondo o crime de feminicídio.

O dossiê “Violência contra as mulheres”, da Agência Patrícia Galvão, mostra que o principal ganho desta lei foi justamente tirar o problema da invisibilidade.

“A tipificação é vista por especialistas como uma oportunidade para dimensionar a violência contra as mulheres no País, quando ela chega ao desfecho extremo do assassinato, permitindo, assim, o aprimoramento das políticas públicas para coibi-la e preveni-la”, diz trecho do documento.

A medida fortaleceu a Lei Maria da Penha, sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Reconhecida mundialmente como um grande instrumento de combate à violência contra as mulheres, a Lei Maria da Penha providenciou as medidas protetivas de urgência, mas a Lei do Feminicídio ajudou a endurecer as penas de homicídios praticados contra mulheres por razões de gênero, estabelecendo, inclusive crime inafiançável.

Mas, logo após o golpe de Estado que colocou o ilegítimo Michel Temer (MDB-SP) no poder, tudo começou a piorar. O golpista Temer cortou 61% das verbas destinadas ao atendimento de mulheres vítimas de violência de 2016 para 2017.

De 42,9 milhões previstos para o setor, em 2016, o orçamento caiu para 16,6 milhões, em 2017, segundo dados do Portal do Orçamento do Senado Federal. Também houve redução de 54% do orçamento para políticas de incentivo à autonomia das mulheres, diminuindo de R$ 11,5 milhões para R$ 5,3 milhões, no mesmo período, afetando, por exemplo, programas como o ‘Mulher, Viver sem Violência’.

Foto: Roberto Parizotti

Foto: Roberto Parizotti

Para a ex-ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Eleonora Menicucci, a conjuntura não surpreende, já que o golpe é perverso, neoliberal e misógino, como classifica. Segundo ela, isso demonstra o descaso de um governo ilegítimo a serviço das classes dominantes.

“As mulheres serão as mais afetadas com medidas como a do congelamento dos gastos públicos por 20 anos, aprovado por maioria no Congresso Nacional. Elas são as maiores usuárias dos serviços de saúde e educação”, denuncia a ex-ministra.

Além disso, segundo ela, a reforma Trabalhista, que flexibiliza os direitos históricos da classe trabalhadora, atinge, sobretudo, as mulheres. “Elas já recebem menores salários e agora terão de se deparar com o fato de que gestantes poderão trabalhar em lugares insalubres”, critica.

Secretária Nacional da Mulher Trabalhadora da CUT, Junéia Batista ressalta, porém, que, mesmo diante de um cenário de retirada de direitos, o movimento sindical, ao lado dos movimentos populares, tem cumprido papel fundamental na luta de resistência.

“A pressão das trabalhadoras e dos trabalhadores tem barrado inúmeros retrocessos no Brasil, mas ainda temos muitas lutas pela frente para combater o golpe e o machismo e barrar medidas como a reforma da Previdência, que hoje está suspensa, mas pode voltar a qualquer momento”, diz.

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