Junho 10, 2019
Enquanto fazem discursos a favor da reforma da Previdência usando como argumentos a necessidade de austeridade fiscal e o combate aos privilégios, mais de 170 deputados federais estão tranquilos porque suas vantagens para se aposentar mais cedo, com aposentadoria integral e com regras muito menos rígidas estão garantidas.
O relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 06/2019, nome oficial da reforma encaminhada ao Congresso Nacional pelo governo de Jair Bolsonaro (PSL), Samuel Moreira (PSDB-SP), é um dos que estão com a velhice garantida. Segundo reportagem do Valor Econômico, Moreira é contribuinte do Plano de Seguridade Social dos Congressistas (PSSC) e, portanto, tem direito a aposentadoria integral, antes dos 65 anos, idade mínima obrigatória para trabalhadores prevista na reforma.
O tucano paulista é apenas um dos deputados que defendem fervorosamente a aprovação de regras mais rígidas para trabalhadores e trabalhadoras e servidores públicos se aposentarem enquanto mantêm seus privilégios e facilidades. Assim como ele, outros 173 deputados não serão enquadrados no aumento progressivo de alíquotas de contribuição e terão direito a uma transição tranquila para as novas regras.
Ainda segundo o Valor, levantamento da Câmara dos Deputados feito em maio revela que esses parlamentares contribuem para o PSSC, cuja alíquota é de 11% (R$ 3.763,00) do salário de R$ 33.763,00 e têm direito a aposentadoria integral aos 60 anos de idade e 35 de contribuição.
Antes de seguir falando sobre os verdadeiros privilegiados, é importante saber que a média da aposentadoria dos trabalhadores e trabalhadoras da iniciativa privada no país é de R$ 1.300,00.
Os deputados que se elegeram em 2018 podem fazer a opção de regime previdenciário que preferem: o especial do Congresso, o Regime Geral da Previdência Social, gerido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), ou regimes próprios de Estados e municípios.
A PEC só veda o ingresso a regimes especiais a partir dos próximos mandatos.
O texto original da PEC propõe que servidores públicos que ganham entre R$ 20.000,01 a R$ 39.000,00 paguem alíquotas de 14,68% a 16,79%. A regra, no entanto, não vale para deputados do atual mandato.
O presidente da comissão de direito previdenciário da OAB-SP, José Roberto Sodero, também enfatiza a existência da blindagem parlamentar.
“Houve blindagem geral [de políticos], não só no parlamento federal. O chamado sacrifício fica limitado a determinadas castas de trabalhadores. Os parlamentares não farão o sacrifício que os outros farão”, afirmou à reportagem do Valor José Roberto Sodero, presidente da Comissão de Direito Previdenciário da OAB/SP.
Para o deputado Júlio Delgado (PSB-MG), que está no quinto mandato, só podem falar de fim de privilégios na Previdência os 267 deputados que recebem ou fizeram opção pelo RGPS do INSS e recebem ou vão receber o teto do regime, que hoje é de R$ 5.839,45.
Ele critica colegas que discursam contra a tabela progressiva de alíquotas “porque não querem pagar 20% de R$ 30 mil”.
“Usam o pobre para falar que a previdência pega o assalariado, mas querem defender é a si próprios”, disse Delgado ao Valor.
Segundo o professor de direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EASSP), Jorge Boucinhas, quem estiver agora na Câmara, mesmo que em primeiro mandato, tem direito ao PSSC. E o governo fez isso, diz ele, porque os parlamentares poderiam votar contra a reforma só porque prejudicariam seus próprios direitos.
Falsos argumentos
Para tentar aprovar a PEC, Bolsonaro e o ministro da Economia, o banqueiro Paulo Guedes, não se constrangem em fazer falsos discursos vendendo a reforma como um corte de privilégios. O economista Eduardo Moreira é curto e grosso ao afirmar em vários textos e entrevistas que isso não é verdade. Segundo ele, o arrocho fiscal será inteiramente em cima dos trabalhadores e trabalhadoras, que ficarão cada vez mais dependentes daqueles que detém os meios de produção, as terras e o capital financeiro no país.
Ele ressalta que o item 50 da PEC que define rico como quem ganha, em média, R$ 2.200,00 por mês. E mais, do total de R$ 1 trilhão de economia que o governo diz que vai fazer com a mudança das regras nos próximos 10 anos, R$ 715 bilhões são do Regime Geral, que cuida dos benefícios dos trabalhadores da iniciativa privada e R$182 bilhões serão cortados do Benefício de Prestação Continuada (BPC) pago a idosos em situação de miserabilidade e do abono salarial.
“Ou seja, 83% da economia vêm de pessoas que não têm privilégio nenhum, que ganham um ou dois salários mínimos”.
Os mais pobres não vão conseguir se aposentar
A reforma da Previdência de Bolsonaro acaba com a aposentadoria por tempo de contribuição, institui a obrigatoriedade da idade mínima (65 anos, homens; e 62, mulheres) e aumenta o tempo mínimo de contribuição de 15 para 20 anos. Quem quiser se aposentar com o valor integral do benefício terá de trabalhador e contribuir durante 40 anos.
O Brasil tem hoje 28,4 milhões de trabalhadores subutilizados, trabalham menos horas do que podem ou gostariam e o número de informais vem crescendo substancialmente depois da aprovação da reforma Trabalhista do ilegítimo Michel Temer (MDB-SP). Segundo o IBGE, o país tem 23,9 milhões de informais, ou seja, pessoas que não contribuem com o INSS durante vários anos até conseguir um emprego formal ou uma renda decente.
Segundo Moreira, 42% dos trabalhadores brasileiros têm no máximo nove meses de contribuição por ano, mas em média são 4.9 meses apenas. “Essa reforma é destruidora, avassaladora e mortal para as pessoas mais pobres. Para elas, isso pode fazer diferença entre viver ou morrer”.
Confira no ReajaAgora todas as perversas mudanças de regras previstas na reforma da Previdência de Bolsonaro.